Mas nem sempre elas são eficazes. Somente no último fim de semana, três crimes chocaram o DF
postado em 18/11/2016 06:05 / atualizado em 18/11/2016 00:19
Flávia Maia , thiagosoares.df@dabr.com.br
Uma mulher morta a cada 20 dias. Três agressões a cada duas horas. Trinta e duas medidas protetivas de urgência concedidas pela Justiça diariamente. Esse é o retrato da violência vivida pelas mulheres no Distrito Federal. Mais do que estatísticas, os números são a marca de uma rotina de violência que precisa acabar na capital do país. Nos últimos dias, a morte de Tatiane Leal Ribeiro, 38 anos, pelo ex-companheiro Ronaldo Andrade Almeida, 36, em Samambaia; a tentativa de homicídio de Elisângela Mendes e da amiga Laureana Vieira Silva, ambas com o corpo queimado pelo marido de Elisângela, no Sol Nascente; e o atropelamento de Renata Marçal Pereira, 40, pelo próprio filho, no Riacho Fundo, mostraram que as agressões persistem e mudam as trajetórias de várias famílias.Uma parceria entre o Tribunal de Justiça e a Secretaria de Segurança Pública implantará um dispositivo de segurança para as vítimas de violência doméstica.
Parentes de Tatiane ainda estão desolados com a perda brutal. As duas filhas, de 3 e 12 anos, presenciaram a mãe ser morta a facadas pelo ex-marido, em Samambaia. Após o choque, as meninas mudaram de Samambaia para Minas Gerais, onde residem os avós maternos. Tatiane havia sido vítima de violência doméstica antes do golpe que culminou em sua morte. Entretanto, os familiares não esperavam que Ronaldo, com quem ela teve um relacionamento por quase cinco anos, fosse o responsável pela partida prematura da mulher “alegre e guerreira”, como descreveu a filha mais velha, que viu a mãe ser golpeada até a morte.
Ainda tentando se recuperar do trauma, a garota — que havia presenciado várias das agressões — descreveu a mãe de forma serena, com uma maturidade forçada pela ocasião.
“Eu admirava minha mãe. Ela sofreu nas mãos dele, mas era uma pessoa alegre. Minha mãe gostava de sair e dançar, mas, quando estava com ele, ficava triste — isso por ele (Ronaldo) dar trabalho, afinal, era alcoólatra”, contou a menina de 12 anos.
“Era uma guerreira, trabalhava de segunda a sexta para sustentar a gente. Fico com as boas lembranças da minha mãe.” Apenas a menina mais nova, de 3 anos, é filha de Ronaldo.
Irmã de Tatiane, Leila Leal, 33, comenta o histórico de agressões — algumas até terminaram em internações hospitalares. Leila conta que a irmã sustentava a casa e estava separada havia dois meses de Ronaldo, por causa da quantidade de vezes que ele chegava em casa bêbado e violento. “Ele violentava muito a minha irmã, chegava a queimar cigarros nela. Geralmente, ela aparecia com um olho roxo, mas Tatiane escondia e falava que tinha batido em alguma porta ou algo parecido. Claro que desconfiávamos.” Ronaldo se entregou à Polícia Civil dois dias após o crime. Até o fechamento desta edição, aguardava transferência para a Papuda. “Nosso medo é que, no futuro, ele seja solto. Tememos pelas meninas”, alerta Leila.
No ranking da Secretaria de Segurança Pública do DF, Ceilândia aparece em primeiro lugar em casos de violência contra a mulher, tanto em feminicídio, quanto em tentativas de homicídio e agressões. Na última sexta-feira, a cidade foi cenário do episódio em que um homem ateou fogo em duas mulheres. O motivo: o fim de um relacionamento. Maurício de Jesus Santos, 28 anos, não aceitava o término do namoro com Elisângela Mendes, 37. Revoltado, ele foi até a casa da vítima no Sol Nascente e ateou fogo nela. Laureana Vieira de Souza, 34, amiga de Elisângela, estava no local na hora e tentou defender a amiga, mas também acabou atingida pelas chamas.
Elisângela e Laureana estão internadas no Hospital Regional da Asa Norte. A primeira, em estado grave e em observação, e a segunda, estável. As investigações da Polícia Civil apontam que Maurício premeditou o crime. “Maurício foi para a casa da mulher com intenção de machucá-la ou até matá-la. Levou um pote de álcool combustível para o local do crime. A autoria é clara e esperamos que ele se entregue até amanhã (hoje) ou vamos cumprir a prisão dele”, detalhou o chefe da 19ª Delegacia de Polícia (P Norte), Fernando Fernandes, responsável pela investigação do caso.
Dispositivo de segurança
A reincidência dos agressores e a teimosia de continuarem praticando violência contra a mulher, mesmo com medida protetiva instaurada, levou o Tribunal de Justiça do DF (TJDFT), em parceria com a Secretaria de Segurança Pública, a assinar um protocolo de intenções para a implantação de um dispositivo de segurança para as vítimas de violência doméstica. Essa é uma das medidas a mais para a rede de proteção. Estados como Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Maranhão e comarcas de São Paulo fazem uso do recurso.
O projeto-piloto na capital do país começa no primeiro trimestre de 2017. Cerca de 100 mulheres em diferentes regiões administrativas receberão o equipamento nessa primeira etapa. Por questões de segurança, não foi informado como será o dispositivo. O certo é que, uma vez acionado, a mulher vítima de violência vira prioridade no atendimento policial. “Ao acionar o 190, a Polícia Militar vai ao encontro da vítima, uma vez que ela passa a ter preferência no atendimento para evitar agressões e a morte”, explica Márcia Alencar, secretária de Segurança Pública.
“Com o dispositivo, a rede de proteção à mulher fica completa. Essa é a única estratégia que ainda não tinha no DF”, afirma Thiago Pierobom, promotor de Justiça e coordenador dos núcleos de direitos humanos do Ministério Público do DF. “Os agressores descumprem as medidas protetivas expedidas pelos juízes. O dispositivo pode ser usado pela mulher como prova judicial, o que pode ensejar até na prisão do agressor”, explica Luciana Lopes Rocha, juíza coordenadora do Centro Judiciário da Mulher do DF.
16
Mortes registradas por feminicídio em 2016
18
Tentativas de feminicídio ocorreram este ano
11.087
Mulheres sofreram agressões de janeiro a outubro
Violência e racismo
O Grupo de Trabalho Permanente de Combate ao Feminicídio no DF, criado pela Secretaria de Estado de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, realiza, na quinta-feira, o Seminário Luíza Bairros: Feminicídio e a Questão Racial. O objetivo é consolidar o diálogo com a sociedade civil a partir de um espaço de troca e amadurecimento de ideias no que se refere à construção de políticas públicas para o enfrentamento à violência contra as mulheres e ao racismo — uma vez que as mulheres negras são o principal alvo de feminicídio no Brasil. A ação comporá o calendário do Mês da Consciência Negra e da Campanha Mundial 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. O seminário será realizado no auditório do Instituto Federal de Brasília (IFB), Câmpus Estrutural. Para participar, é preciso se inscrever. Mais informações: 3403-4909/4908.
O que diz a lei
O Código Penal Brasileiro foi recentemente modificado pela Lei nº 13.104/2015, que incluiu o feminicídio no rol dos crimes contra a vida. Trata-se de uma qualificadora ao crime de homicídio, com pena de reclusão de 12 a 30 anos. Para caracterizar o crime é necessário que a vítima seja mulher e que o crime tenha sido cometido com envolvimento de violência doméstica ou discriminação contra a condição de mulher. A Lei do Feminicídio classifica o crime contra a vida da mulher como crime hediondo e com agravantes quando acontece em situações específicas de vulnerabilidade (gravidez, menor de idade, na presença de filhos, etc.).
Memória
Início em 2015
O primeiro caso de feminicídio no Distrito Federal foi registrado em 1º de junho de 2015. O policial militar reformado Geovanni Albuquerque Brasil, 49 anos, matou a mulher, Conceição de Maria Lima Martins, 43, a socos. O crime ocorreu no apartamento do casal, no Guará, horas depois de os dois chegarem de um bar. Segundo relatos do acusado, que confessou o crime, e de testemunhas, o casal tinha problemas com álcool . O assassinato teria sido motivado por ciúmes. Após beber e discutir no bar, o casal foi para casa de táxi, por volta das 2h30. Chegando lá, as discussões se intensificaram e Geovanni agrediu a companheira com murros. Embriagado, o acusado adormeceu, ao lado de Conceição, sem perceber que ela estava morta. Já a primeira condenação veio em agosto de 2015. João Paulo Miranda pegou pena de 34 anos por homicídio triplamente qualificado e feminicídio. Miranda foi condenado por assassinar a companheira, Maria de Fátima Cardoso dos Santos, e o vizinho do casal, Gilvane Bezerra Marinho. O crime foi em uma estrada do Riacho Fundo, após uma discussão entre o casal.