CADERNO DE CIDADES – 12/5/2016
Mulheres são 72,6% dos casos de agressão
Sofrer uma agressão é uma realidade feminina. Informe parcial da Secretaria de Saúde do Distrito Federal revela que as mulheres são mais agredidas do que os homens. Nos últimos dois anos — 2014 e 2015 —, as notificações feitas nas unidades de saúde da capital federal foram majoritariamente contra quem é do sexo feminino.
No ano passado, foram 1.230 (72,6%) casos de mulheres agredidas contra 464 relatos de homens na mesma situação, de acordo com Sistema de Notificação Compulsória da Secretaria de Saúde. São quase três vezes mais agressões a mulheres do que a homens. Como o Correio mostrou em série de reportagens publicadas na semana passada, as agressões saem principalmente do meio familiar. “Violência contra os homens existe, precisamos pensar neles, mas não é na mesma proporção. A realidade é outra, de mulheres violentadas, em número muito maior, sempre nos vínculos afetivos, pai, padrasto, marido, dentro das próprias residências”, explica a chefe do Núcleo de Prevenção a Acidentes e Violência da Secretaria de Saúde, Fernanda Figueiredo. Os casos de agressões contra o homem são, essencialmente, originários da violência urbana.
Os dados foram coletados a partir dos atendimentos feitos nos hospitais do DF. A violência é relatada de forma compulsória, caso seja verificado o dano à integridade física ou emocional do paciente. A ficha é preenchida com nome, endereço, tipo de violência e autor do crime. O documento é enviado para a Vigilância Epidemiológica. Serve tanto para o fomento de políticas públicas quanto para o fluxo de proteção e responsabilização do ato. Em todos os casos, elas são orientadas a procurar ajuda e a tomar conhecimento das leis (veja quadro). “Há também o encaminhamento para os Pavs (Programa de Pesquisa, Assistência e Vigilância em Violência), onde ocorre o acompanhamento por até um ano, com médicos e psicólogos, e, se for o caso, o encaminhamento para outros serviços da rede”, afirma Fernanda.
Recorrente
A violência física é o principal tipo de abuso. Representa a maioria dos registros. Mais uma vez, as mulheres aparecem como as vítimas mais recorrentes. Das 745 ocorrências, 523 foram contra o gênero feminino. O abuso sexual surge em segundo lugar, com 415 ocorrências. As mulheres também foram as mais violentadas — 355 abusadas sexualmente. Em terceiro, ficam os 197 casos de negligência/abandono, 97 contra mulheres. A violência psicológica e moral está em quarto lugar, com 105 ocorrências contra elas e 43 relacionadas a homens. Também fazem parte da lista de agressões as lesões autoprovocadas, que ocuparam o quinto lugar, com 53 cometidas por mulheres e 27 por homens.
Polyane Valéria Rodrigues Durães, 33 anos, conheceu essa realidade na pele. Há um ano, quando chegava em casa, sofreu uma tentativa de estupro. Entrou em luta corporal com o agressor. Quis se defender a qualquer custo. Em meio à confusão, teve forças para gritar. Estava escuro, mas a família conseguiu achá-la. Por sorte, o ato não foi concretizado. Com a ajuda de parentes e vizinhos, o homem foi rendido e preso. Um dia que jamais sairá da memória da jovem estudante de psicologia. A forma de lidar com a violência sofrida foi ajudar outras pessoas.
Hoje, Polyane trabalha com um grupo de mulheres, em Ceilândia, todas vítimas de violência doméstica. “Muitas não sabem que o que estão vivendo dentro de casa é uma agressão. Algumas têm a ideia, a cultura de que só a porrada é violência. Elas falam: ‘Ele me traía, me deixava passar necessidade, mas nunca me bateu’. É preciso mudar este raciocínio.” O grupo faz parte do trabalho de conclusão de curso da faculdade de psicologia de Polyane.
O grupo existe desde o ano passado e já colhe resultados positivos. “Boa parte assimilou a questão do empoderamento. Elas sofriam, viviam nesse ciclo de violência e não tinham esperança de sair. Elas relataram que encontram umas nas outras algum sentido, um incentivo em denunciar, a força de mudar a realidade. A maioria das mulheres que passam por isso não tem com quem contar. Se não as fortalecermos, os homens continuarão matando essas mulheres”, pondera Polyane.
Convenção
O empoderamento feminino também foi tema da 4ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (4ª CNPM), que ocorre até hoje, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. O tema é Mais direitos, participação e poder para as mulheres e o desafio, aprofundar a democracia e assegurar a consolidação das políticas já colocadas em prática em prol das mulheres. Mais de 2,5 mil cidades participaram de conferências municipais e intermunicipais. Todos os estados e o DF realizaram as etapas locais. Também foram promovidas conferências livres e uma Plenária Governamental, com ministérios, secretarias e instâncias do governo federal.
Na última terça-feira, durante a abertura do evento, a presidente Dilma Rousseff falou sobre o poder de luta e de resistência das mulheres brasileiras na defesa dos seus direitos. Defendeu que as políticas de gênero no Brasil não podem sofrer retrocesso. Rita de Cácia Vieira Martins, 52, é uma das delegadas participantes do encontro. Militante feminista desde os 18 anos, a professora define a conferência como um “espaço de luta”. “Participei da Assembleia Constituinte de 1988. E não foi uma dádiva, foi uma luta. Na época, não tínhamos muitos recursos, como hoje temos as redes sociais, por exemplo. A conferência é a continuidade dessa luta. Muitos direitos ainda não estão assegurados.”
Saúde integral, descriminalização do aborto, qualificação dos profissionais da rede de saúde e segurança e garantia dos direitos, independentemente do gênero, são algumas das discussões. “Não adianta a mulher ir denunciar uma violência se na hora que ela procura o estado não há profissionais capacitados para receber e fazer esse atendimento. Estamos aqui para discutir coletivamente quais serão os próximos passos pela garantia dos nossos direitos”, afirma Rita.
As Leis
Maria da Penha
No Brasil, há quase 10 anos, em agosto de 2006, era sancionada a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha. O objetivo era incrementar e destacar o rigor das punições para a violência contra a mulher. A introdução do texto aprovado constitui uma boa síntese da Lei: “Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher”.
Feminicídio
A violência contra a mulher não é um fato novo, mas a preocupação com a superação dessa violência como condição necessária para a construção da humanidade é bem recente. Mais novo ainda é a judicialização do problema, ou seja, a criminalização da violência contra as mulheres. Há poucos meses, em março de 2015, foi sancionada a Lei 13.104, a Lei do Feminicídio, classificando-o como crime hediondo e com agravantes quando acontece em situações específicas de vulnerabilidade (gravidez, menor de idade, na presença de filhos etc.).
Rede de apoio
Equipamentos e Serviços
» Delegacia da Mulher (Deam)
Entraquadra 204/205 Sul — 3207-6195.
» Casa da Mulher Brasileira (CMB)
Setor de Grandes Áreas Norte (SGAN) 601, Lote J, Asa Norte, (atrás do Serpro).
» Centros Especializados de Atendimento à Mulher (Ceam)
O acesso ao serviço independe de qualquer tipo de encaminhamento. O funcionamento é de segunda a sexta, das 8h às 18h, sem interrupção em horário de almoço:
» Ceam 102 Sul — 3323.8676
» Ceam Ceilândia — 3372.1661
» Ceam Planaltina — 3389.0841
» Ceam Casa da Mulher Brasileira — 3226.9324
» Núcleos de Atendimento a Família e aos Autores de Violência Doméstica (Nafavd)
O acesso ao serviço ocorre por encaminhamento judicial. Atendem os autores de violência doméstica e também os familiares envolvidos.
» Casa Abrigo
O acesso se dá apenas por encaminhamento da Deam, das demais delegacias, da Casa da Mulher Brasileira ou por ordem judicial. O endereço da Casa Abrigo é mantido em sigilo por motivos de segurança.
» Programa de Pesquisa, Assistência e Vigilância em Violência (PAVs)
No total, são 21 PAVs que fazem o acompanhamento individual, familiar ou coletivo, para vítimas e autores, por equipes multiprofissionais que envolvem médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, psicólogo, assistente social e terapeuta ocupacional.
» Disque direitos humanos da mulher (156, opção 6).
Espancada
A estudante universitária Rainah Ramos, 23 anos, foi agredida após reagir a um assalto. A jovem estava chegando à Escola Parque 308 Sul, na segunda-feira, por volta das 13h50, quando foi abordada. “Senti alguém segurar meu braço. Quando vi que não o conhecia, tentei me soltar e não consegui. Na hora, não pensei, só comecei a gritar por socorro e fui para cima dele.” Rainah levou três socos no rosto e afirma que o homem bateu a cabeça dela no chão, xingou-a e a ameaçou de morte. Alguns pedestres se aproximaram para ajudá-la, mas se afastaram quando o assaltante disse se tratar de uma “briga de namorados”. “O que mais me revoltou em tudo isso foi que, quando ele disse que era briga de namorados, as pessoas que estavam chegando para me ajudar pararam. Quer dizer que, se fosse briga de namorados, ele teria o direito de me bater?” O homem fugiu em um carro sem levar nada. A 1ª Delegacia de Polícia investiga o caso.